A alta cozinha tem vindo a ser descoberta, desenvolvida e valorizada por todo o mundo e Portugal não é exceção. Cozinheiros, Chefs e Pasteleiros vão além de todas as expectativas. Conjugam o passado com o futuro para tornar o presente cada vez mais inovador, cada vez mais extraordinário. Transformam cultura e tradição em verdadeiras obras de arte futuristas, de modo a proporcionar as melhores experiências. O cliente já não quer só alimentar-se, quer ver ativados os seus cinco sentidos, a sua memória, a sua mente. Para tornar esta visão possível, não basta ser o melhor, é preciso ser perfeito!
Hoje dou-vos a conhecer uma dessas pessoas. Ele é o Álvaro Santos, Chef de Cozinha há cerca de 10 anos, divididos entre hotéis e restaurantes de topo, tanto em Portugal, como nos EUA, Caraíbas e Londres. Baseia o seu trabalho na máxima “menos é mais” e, também, no respeito pelo sabor do produto.
Fui saber um pouco mais sobre estas funções, este profissional e o seu percurso:

CR – O seu percurso é extremamente especializado. Sempre soube que queria ser chef?
ÁS – A minha formação de base é em design, em que trabalhei cerca de 15 anos. Sempre cozinhei (normalmente para as namoradas 🙂 ), até que comecei a achar que o design não me chegava, faltava algo… Eram os sabores, os aromas… Obviamente fui encontrá-los na cozinha. Mas, curiosamente, o design não ficou de parte, antes pelo contrário. É uma mais-valia na cozinha, pois muito do que faço vem de lá, especialmente ao nível dos empratamentos e no pensamento “outside the box”, que se encontra em muitos dos meus pratos de assinatura.
CR – Teve várias experiências nacionais e internacionais. Quais as grandes diferenças que encontra no mercado de local para local?
ÁS – Para além do óbvio, como a cultura e os ingredientes característicos de cada região, a forma de estar e de trabalhar também muda bastante de local para local. Por exemplo, nos EUA reina o individualismo, não existe espírito de entreajuda entre as equipas ou brigadas. Em Portugal somos, apesar de tudo, mais solidários entre nós, todos ajudam todos. No estrangeiro, os clientes têm uma maior abertura para usufruir de novas experiências, sabores e darem valor ao nosso trabalho. Em Portugal, esta postura é mais recente, muito devido a esta explosão de novos chefs dos últimos anos. Mas ainda somos muitos conservadores, também devido à própria cultura, pois a nossa gastronomia é excelente, mas muito tradicional.
CR – Neste momento trabalha na cozinha de um hotel, mas já teve outras experiências noutros ambientes. Com qual deles se identifica mais e porquê?
ÁS – Gosto muito do trabalho de hotel, pois, normalmente, temos mais orçamento, logo, mais condições de trabalho, mais ingredientes e de melhor qualidade, mais mão de obra. Mas, para falar a verdade, é no ambiente de restaurante que me sinto em casa, pois é mais informal. Sou aquele tipo de chef que gosta de ir à sala, trocar impressões com o cliente. Nos hotéis é tudo mais impessoal…
CR – Quais os maiores desafios que enfrenta no seu trabalho e como lida com eles?
ÁS – A gestão das equipas, sem dúvida. Estamos a falar de 20 ou 30 pessoas, todas diferentes, com habilidades, motivações e necessidades diversas e que temos de gerir, de forma a conseguirmos trabalhar 10 a 12 horas juntos, sem que haja conflitos. Depois, claro, a gestão de toda a operação relacionada com as encomendas e os eventos. Estas situações administram-se com muita gestão emocional e espírito de liderança, caso contrário é impossível ter o mínimo de sucesso.
CR – O que realmente o apaixona na cozinha?
ÁS – O perigo. Pode parecer estranho, mas não há nada que me estimule mais do que a pressão que se vive numa cozinha. A ansiedade até perceber a reação do cliente. O risco de inovar e apresentar um prato completamente diferente e saber dos comentários dos clientes. É empolgante!
CR – Muito se fala (e cada vez mais) na formação necessária para se trabalhar na indústria do Turismo e da Hotelaria. Qual a sua visão sobre este tema?
ÁS – Eu sou um exemplo disso. Quando tirei a minha formação já chefiava cozinhas. Fui fazendo diversos cursos de aperfeiçoamento, workshops e estágios auto-angariados, mas, a certa altura, achei que deveria ter uma formação realmente consistente na área, para crescer e aperfeiçoar as minhas aptidões e técnicas. Concordo que a formação é muito importante, mas devo realçar que, nesta área, a verdadeira aprendizagem é feita na cozinha. Ninguém sai cozinheiro, e muito menos chef, das escolas.
CR – Onde quer chegar exatamente?
ÁS – É difícil dizer. O que eu sei, com toda a certeza, é que sou uma pessoa inconformada por natureza. Quero sempre mais e procuro sempre melhorar, aperfeiçoar aquela receita. Embora não procure nem trabalhe para prémios, já ganhei alguns, mas costumo dizer que as minhas Estrelas Michelin são os comentários dos clientes, é isso que realmente me faz feliz e me traz o retorno que preciso. Mas não escondo que se ganhasse uma ficaria orgulhoso!
CR – Quais as características que considera serem mais importantes para se trabalhar, especificamente, em cozinha e porquê?
ÁS – Primeiro que tudo é preciso gostar de cozinha. É daquelas profissões que não se consegue mesmo fazer sem ser totalmente apaixonado. Depois, é preciso ser forte física e mentalmente para aguentar muitas horas a trabalhar, a um ritmo e a uma pressão alucinantes e sempre com altos níveis de desempenho. É preciso ser perfeccionista, pois o cliente é extremamente exigente, a concorrência é muito feroz e, para se destacar, é preciso superar sempre as expectativas. Finalmente, para conseguir tudo isto, é preciso estar disposto a abdicar de muito: família, feriados, fins de semana, conforto. Tudo pela cozinha. Costumo dizer que a cozinha é um verdadeiro sacerdócio.
CR – Aconselharia esta profissão a outras pessoas?
ÁS – Por princípio, esta é profissão em que, se o profissional for mesmo muito bom, tem sempre trabalho e consegue um salário acima da média, por isso aconselho sim, especialmente se a pessoa tiver as características referidas na questão anterior. No entanto, é também muito imprevisível, já que trabalhamos muito com turistas e o Turismo é altamente vulnerável. É preciso estar atento, ter sempre um plano B e ter capacidade de reinvenção a todo o momento.
CR – Conte-nos uma história caricata que tenha acontecido no âmbito do seu trabalho e que queira partilhar connosco.
ÁS – Tantas que é difícil de escolher… A melhor de todas ocorreu no princípio da minha carreira, em que fui fazer um serviço de uns dias para um hotel. Acontece que me confundi no hotel e fui parar ao sítio errado. Ninguém me disse nada por dois dias, mas, entre eles, todos perguntavam quem era aquele gajo… Finalmente o chef decidiu perguntar aos recursos humanos e eles disseram que não tinham pedido ninguém. Veio falar comigo, esclarecemos as coisas e acabei por ficar mais duas semanas lá, porque gostaram do meu trabalho. No fim, a empresa que me contratou nunca mais me pediu nada e ainda hoje sou amigo desse chef, que já se reformou. 🙂
Muito obrigada, Álvaro, pela sua colaboração nesta entrevista e pela dedicação diária à sua profissão. É instigante!