Rui Pereira – Diretor de Hotel

27.10.2020 | Os Incógnitos do Turismo de Portugal | 4 comments

Os hotéis são empresas complexas devido a vários motivos. Têm muitos departamentos, cada um com a sua especificidade, precisam de muitos recursos humanos e, ainda assim, de polivalência, de manutenção constante na infra-estrutura, de atenção a todos os detalhes, de muita comunicação eficiente, de produtos de qualidade, de ter os preços mais competitivos, enfim, a lista é grande. Como tal, precisam, essencialmente, de estratégias bem definidas e de gestão eficiente, caso contrário estão fadados ao insucesso.

Para garantir que tal não acontece, um hotel precisa ter um bom diretor. Hoje dou-vos a conhecer uma dessas pessoas. Ele é o Rui Pereira, Diretor de Hotel, original de Monfortinho, que se apaixonou pela hotelaria desde cedo. Um dos seus filmes favoritos é, imagine-se, “Cocktail“, com o Tom Cruise!

Fui saber um pouco mais sobre estas funções, este profissional e o seu percurso:

rui pereira

CR – O seu percurso é muito interessante. Conte-nos como tudo começou.

RP – Toda a minha família tinha alguma ligação ao ramo da hotelaria, pelo que cresci no meio. O meu padrinho, que foi como um pai para mim, foi quem mais me incentivou e apoiou neste percurso. Em 2011 entrei na Escola Profissional do Fundão, em 2014 surgiu a oportunidade de entrar no Instituto Politécnico de Castelo Branco, na ESGIN, em Idanha – a – Nova, num CTeSP de Gestão Hoteleira e F&B e, em 2017, iniciei um Master de Gestão de Unidades de Turismo em Espaço Rural, também na ESGIN-IPCB, em conjunto com a Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril e, ainda este ano, inicio a licenciatura em Turismo, também na ESGIN. Desde 2014 que trabalho no Hotel Boavista, tendo passado por várias áreas como restaurante, bar, receção, entre outras. Há cerca de três anos passei a ser responsável pela área de alimentos e bebidas do hotel e, no final do ano passado, assumi a direção. No entretanto, também pertenci à Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), como delegado regional, o que foi, sem dúvida, uma experiência muito positiva a nível profissional, pois deu-me uma visão completamente diferente da área da hotelaria. É preciso referir que, neste caminho, cruzei-me com várias pessoas que foram uma inspiração e um apoio muito grandes para mim, como professores, colegas, amigos e mentores, que me deram as bases para poder crescer.

CR – Como caracteriza a área da hotelaria em Portugal?

RP – Na minha opinião, a hotelaria em Portugal está a ter um crescimento e um desenvolvimento muito acentuados nestes últimos anos. Isso verifica-se, entre outras evidências, no número de novas unidades que surgiram, só no ano passado. Os profissionais do setor estão, também, cada vez mais preparados e formados para a hotelaria, pelo que é de destacar o papel fundamental das escolas profissionais e das escolas do Turismo de Portugal IP. Temos mais e melhor. Quantidade e qualidade estão de mãos dadas e esse é o caminho para continuar a evoluir e a inovar, de modo a nos mantermos na mente dos turistas como um destino de eleição.

CR – É um apaixonado por hotelaria ou tem sido uma necessidade trabalhar nesta área?

RP – Como dizia Confúcio: “Faz o que gostas e nunca terás de trabalhar nem um dia na tua vida.” Essa é a minha máxima, pelo que não se trata, de todo, de uma necessidade e, sim, de uma paixão. Aliás, esta é uma área de extremos: ou se gosta ou não se gosta, pelo que raramente se encontra um profissional a exercer que não seja completamente apaixonado pela hotelaria.

CR – Como é o dia-a-dia de um Diretor de Hotel?

RP – O meu dia começa por passar por todos os departamentos e salvaguardar que está tudo conforme os protocolos e os standards definidos. Procuro saber, também e sempre, como estão os meus colegas, se estão com alguma dificuldade em que eu possa ajudar e se o trabalho deles decorre com a normalidade esperada. Trato, ainda, da contabilidade e faço a gestão dos custos, um dos pontos mais importantes para que tudo seja calculado devidamente, criando assim mais receita para a unidade ou evitando gastos desnecessários com a operação. Além disto, temos de estar sempre disponíveis para resolver qualquer situação que surja “fora da norma”, seja uma reclamação, um problema com a infra-estrutura, um imprevisto com os recursos humanos, uma dificuldade na articulação da operação, entre muitas e muitas outras situações. No meu caso, como trabalho num hotel de menor dimensão, acabo por assumir mais tarefas do que um colega de um hotel maior que, muito provavelmente, tem pessoas que o assistem para tratar da maioria destas situações, mas, seja como for, a responsabilidade é sempre nossa. Acontece que o nosso trabalho, muitas das vezes, não é tão visível como noutras funções, o que dá, frequentemente, a sensação que os diretores de hotel não fazem nada! Não é uma verdade. De todo! É, sobretudo, um trabalho bastante desgastante psicologicamente. Somos os responsáveis por tudo o que está a acontecer, seja positivo ou negativo.

CR – Quais os maiores desafios que enfrenta na sua função atual e como lida com eles?

RP – Quando abracei este desafio no ano passado, deparei-me com vários cenários desafiadores: um deles foi, quase de um dia para o outro, ter havido a necessidade de ocupar este lugar, com novas funções que nunca tinha tido na prática, só conhecia em teoria. Mas, com esforço e dedicação, consegui adaptar-me. Atualmente, o grande desafio prende-se com os recursos humanos: não é nada fácil gerir pessoas e lidar com equipas de trabalho muito diferentes e que, muitas delas, não aceitam a mudança, o que torna ainda mais difícil o nosso papel. Isto ultrapassa-se com resiliência, calma e empatia.

CR – Tem muitas experiências ao longo da sua carreira e subiu a pulso. O que tem vindo a procurar?

RP – Sempre tive objetivos de vida muito bem definidos. É claro que, por vezes, algumas situações mudam o nosso rumo, mas nunca os objetivos. O foco é fundamental, portanto. As pessoas que me têm acompanhado também têm sido essenciais, pois quando começamos a trabalhar é muito natural que nos foquemos nessa parte mais prática da vida e acabamos por esquecer um pouco os estudos. Conciliar as duas vertentes não é fácil, mas muito importante e eu só o consegui com a ajuda de um grande amigo que me incentivou muito.  Por isso digo muitas vezes ao pessoal que trabalha comigo para seguirem com os estudos e não perderem o foco. Acho isto tão importante que criámos no hotel um programa de incentivo para os profissionais que trabalham na nossa unidade. É com orgulho que digo que este ano três colegas vão iniciar um curso na ESGIN, em Idanha- a – Nova, com o apoio do Hotel Boavista.

CR – Na sua perspetiva, a área da hotelaria é um mundo de oportunidades?

RP – Sim, o mundo da hotelaria é um mundo cheio de oportunidades, basta só saber aproveitá-las da melhor forma. É uma área em que se conhecem imensas pessoas de todos os cantos do mundo, com inúmeras ligações diferentes e que, a qualquer momento, se cruzam no nosso caminho. É verdade que, por vezes, temos que fazer algumas cedências em prol do nosso futuro, tal como uma saída com os amigos ou uma tarde no sofá a ver séries, mas estar presente pode dar-nos a oportunidade de conhecer alguém que nos abra janelas.

CR – Para si, quais as características de um bom líder e como faz para as aplicar no seu dia-a-dia de trabalho?

RP – É sempre uma tarefa muito complicada ser um bom líder, porque temos sempre “mil olhos” em cima de nós. Por melhores que sejam as nossas decisões, vai haver sempre alguém que nos vai criticar e dizer que não é assim que as coisas funcionam. Quando saí da escola tive muita dificuldade nesse campo, tive de fazer um grande esforço para aprender a liderar. Aconselho muito a quem quer seguir esta área, a ler pelo menos dois livros: “O Príncipe“, de Nicolau Maquiavel e a “ Arte da Guerra“, do Sun Tzu. Foram fundamentais para me ajudarem a conseguir gerir equipas. No meu dia-a-dia aplico esses ensinamentos na vida real: tentar estar sempre na linha da frente, tentar que todos os nossos objetivos sejam cumpridos e, uma das coisas mais importantes, ter uma equipa de trabalho do nosso lado, que defenda a empresa como se fosse deles. Este aspeto é crucial, uma vez que a equipa é o que movimenta a empresa.

CR – Que conselho daria a profissionais mais jovens que pretendem chegar a Diretores de Hotel?

RP – O meu conselho é que mantenham sempre o foco nos objetivos. Não desistir quando as dificuldades apertam, porque pedras no caminho vamos sempre encontrar na nossa vida, e elas fazem-nos bem, fazem com que cresçamos tanto a nível profissional, como a nível pessoal. Trabalhar muito, muitas vezes sair da nossa zona de conforto e ir à luta, não estar à espera que algo nos caia do céu, porque não cai, temos de nos levantar da cadeira e fazer acontecer. Como eu costumo dizer, a sorte dá muito trabalho!

CR – É sabido que a área da hotelaria é muito estimulante, mas também muito ingrata de se trabalhar, especialmente pela falta de valorização dos recursos humanos. Qual a sua perspetiva sobre esta questão e, na sua opinião, o que precisa de mudar?

RP – É, de facto, uma área, por vezes, ingrata, por isso é preciso gostar muito do que se faz, mas também observo que, felizmente, algumas mentalidades estão a mudar, o que é positivo para todos os que trabalham neste setor. Hoje em dia, mais do que a questão financeira, as pessoas procuram a humanização: um agradecimento, o cuidado em saber se está tudo bem, as ferramentas e o apoio certos para atingir os resultados e as chefias precisam interiorizar e aplicar isto. Lembro-me, por exemplo, que, quando comecei como responsável de F&B, fazia sempre questão de agradecer o empenho da equipa que tinha estado a trabalhar comigo e alguns ficavam admirados porque não é habito, no entanto deveria ser regra. Lidamos muito com o público e com as exigências de cada um, o que, por si só, já não é fácil, por isso precisamos muito desse cuidado internamente. Outra questão fundamental que precisa mudar é a forma como o público nos vê. Por exemplo, é muito comum um restaurante que encerra as 22h00, ter clientes a entrar às 21h55 para jantar e com uma série de exigências. O público tem que começar a perceber que quem trabalha no serviço ao cliente também é gente, não podemos continuar a ser tratados com indiferença, quando estamos a passar as épocas festivas, todos estão a descansar ou com a família reunida à mesa e nós lá estamos no trabalho, sempre com um sorriso de orelha a orelha, a dar o nosso melhor para que a experiência do cliente seja a melhor. Mas uma coisa posso garantir, é um enorme orgulho para mim e penso que é uma opinião unânime de quem trabalha neste ramo, poder todos os dias fazer aquilo de que se gosta. O importante é que estamos a evoluir e, aos poucos, vamos conseguindo pequenas conquistas.  

Muito obrigada, Rui, pela sua colaboração nesta entrevista e pela dedicação diária à sua profissão. É genuíno!

Cátia Rodrigues

Cátia Rodrigues

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